sexta-feira, 31 de março de 2017

É peça que não encaixa

- Vai embaixo que eu vou em cima.
- De alguma forma não se encaixa.
- Mas quem explica essa vontade?

Tem cheiro de naftalina, mas está na moda.
Tem manias estranhas, tipo tremer o rosto enquanto diz qualquer coisa tormentosa.
Mas quando se afasta, eu tremo.
A saudade vira dor metastática. Haja morfina.

Eu só sei que enlouqueço quando essa dor volta.
Às vezes penso que é por conta da autoestima, às vezes penso que é amor. Às vezes não sei. Às vezes não quero saber.
Às vezes me bate, às vezes me afaga. Pensei que escrevendo eu poderia analisar tudo isso, depois do curso de psicanálise. Pois é. Se houver tempo, quem sabe.

Bom. Não sei o que vão escolher. Eu acho realmente que o  aventureiro covarde estava certo. Eu sou egoísta. Raul nunca tocou tão alto.

Mas... Meu egoísmo é tão legítimo quanto o altruísmo. O altruísmo é dar garantias que outro ficará bem se depender de você. O meu egoísmo garante que os outros estarão bem e eu também. E aí os fins justificam os meios.
Eu não posso anular minha passagem nessa terra, que me cobra um preço alto por doses homeopáticas de alegria, em função da plena felicidade de todos. É impossível.

Cada um com interesse próprio que diz respeito apenas à vida que escolheu viver, e querer que o outro se encaixe perfeitamente nos seus planos é tirar do outro a chance de viver plenamente a própria vida. É querer enfiar uma peça redonda num buraco quadrado menor do que o raio. Esse é o egoísmo indigesto.

A vida e as pessoas exigem que eu aja de forma infantilizada diante dessa grande incoerência. Mas minha dignidade enquanto indivíduo alma, espírito e corpo não me autoriza.
Toda vez que ouço tais ameaças, por amor, eu tento querer o que eles querem. Por amor, eu tento poupá-los. Porém, subitamente, o senhor de mim emerge decidido a parar imediatamente com tudo que me desvirtua do acordo da vida. Me faz lembrar que trata-se de um pacto com a divindade: Eu passo por essa vida para oferecer todo amor que eu puder dar a alguém. Eu vou amá-los. Verdadeiramente, vou amá-los. Darei à eles parte de minha solidão, mas exigirei em troca o direito de Mim.

Vim ao mundo num corpo de 1,62. Cabelo crespo, cor negra, pouca beleza, humor sádico, vaidade extrema, lucidez, força física e mental, inteligência e uma capacidade absurda de sentir. Essa mistura aí me fez forte pra caralho. Fez-me uma astuta jogadora. Mas evito o jogo. Acho baixo, apesar de necessário. Necessário para que eu possa garantir meu direito de ser. Acima de tudo, sentir. O direito de amar tem as mesmas origens do direito de morrer.

Aquele tal egoísmo, que só existe para encaixar as peças. Mas ninguém fala sobre a condição deste encaixe.
Para que ele ocorra, alguém precisa morrer. E eu? Eu não me candidato.
Mas fiquem à vontade. Façam o que precisar ser feito. Inclusive me matarem a pauladas, se assim for necessário.

"Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão

Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição"
Amarante

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