sábado, 12 de maio de 2018

A coceira

“Estou coçando de vontade de fazer isso…” A coceira é sentida como um estímulo. Esse estímulo pode ser bom ou ruim.
 A coceira física mostra que alguma coisa está nos arranhando ou estimulando no âmbito psíquico. No entanto, ignoramos ou nos recusamos a vê-la, caso contrário ela não teria de se somatizar como um acesso de coceira. Por trás do desejo de se coçar  existe uma paixão, um fogo interior, uma emoção.
 O desafio é coçar pelo tempo que a consciência precisar, até descobrirmos o que é que a instiga, incomoda, precisa de limites, até encontrar aquilo que precisa vir para fora.”

terça-feira, 8 de maio de 2018

Congresso Internacional do Medo (Drummond)

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas


Drummond de Andrade

terça-feira, 6 de março de 2018

Previsível

Ela me ligou
com aquela voz que não diz nada
com um interesse sei lá de quê
é como se não soubesse conversar
e nem abraçar

não sei o que devo fazer
já que a próxima ligação
deve ser minha
talvez eu também não saiba
o que dizer

mas certamente não será numa terça
1 hora depois do fim da sessão
será que ela achou
que eu iria aparecer?

provalvemente.
eu devo ser
muito previsível

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

O ave(r)sso do divã

20/02/2018 8:18h

Hoje foi meu último encontro com a Ela. Estava brava comigo. Disse sem dizer que sou egoísta e bruta. Que de onde Ela vem não se vai embora com um simples tchau depois de 5 anos. 
Estava brava...
Mas algo melhor me chamou atenção. Ainda não sei se era apenas o impulso natural de querer me punir ou se de fato ela me acha uma completa Idiota.
Supôs que eu estivesse trocando-a por outro. Quem sabe não era o terapeuta da outra. Talvez eu quisesse alguém com um jeito mais sei lá o quê. Acho que esse foi o único momento em que o meu deboche foi autêntico. Me ofendi.
Depois falou que talvez eu não a achasse muito boa para me atender. Ou que eu quisesse chamar atenção. O que eu não soubesse lidar com despedidas. Ou que gosto de decidir tudo sozinha... Ter o controle. Ou ter me chateado. Sabia que eu não tinha decidido ontem,  mas gostaria de saber o motivo de eu não levar o assunto pra pauta de algum dia. E desandou a dizer que não deixo claro as coisas que sinto ou penso. Gosto de códigos que só eu entendo. Me enfureci, mas fingi indiferença. Comecei a suplicar a minha estúpida memória qualquer lembrança que pudesse me honrar. Mas não veio nada. Os olhos dela diziam: - Você não tem argumentos! O sorriso - Eu estou brava!
Já no final tarde eu fiquei pensando no dia em que me pediram para não agradecer pelos e-mails respondidos, em uma forma de (fingida) humildade. Ele nunca responde os emails que precisam de respostas. Eu não disse a ele o real motivo dos agradecimentos, mas achei que fosse óbvio que emails com perguntas (não retóricas) exigem respostas. Talvez tenha sido arrogante ao me calar e apenas observá-lo, mas me senti ofendida em ter de explicar isso para um homem de 50 anos.
Trouxe o Thanatos, Perséfones, Hades. Fez chacota, colocou a culpa em mim de tudo, fez cara de temperança e a cada retomada uma nova causa para minha decisão. Guardou as causas escabrosas para Si. Mas o que importa mesmo é que em todas as hipóteses Dela eu era o personagem Idiota. Ok. Segue o baile.
No geral acho que foi isso que ela quis dizer o tempo todo quando me entregava o "feedback" sobre minhas atitudes para que eu pudesse me vigiar "lá fora": - Você é uma grande idiota. Não respeita as relações e suas cerimônias. Age como uma ébria selvagem quando lhe convém!
Bom.. Não conseguiu me ofender. Quem não respeita as relações são eles com seus rituais e normas. Até simpatizo com seus bravejos, mas não suporto seus fingimentos. Relevo. Além do mais, tratava-se de um raro momento em que Ela reagiu visivelmente irritada. Agiu sem norma. A segunda vez em 5 anos. Curiosamente nas duas vezes ela se defendia da hipótese em que eu estaria tentando colocá-la a prova como profissional. Hipótese secreta que seu sorriso por vezes jocoso denunciava.